Visão: Os negócios que nascem da guerra ao plástico
De descartável para reutilizável - as alternativas ao plástico descartável
A última celebração do 1º de Maio, em Lisboa, as sardinhas assadas foram servidas num prato que gerou algum “sururu”. O tom acastanhado, por ser feito com farelo de trigo, levou as pessoas a confundirem o prato biodegradável e comestível com a típica fatia de pão. A Soditud, startup com sede em Santarém, também faz tigelas e talheres, mas, ao contrário dos pratos, estes só não se comem porque contêm bioplástico (derivado de fontes renováveis), que lhes dá a resistência.
Quando Pedro Cadete e Luís Simões, amigos desde os tempos da universidade, descobriram na internet umas palhinhas que podiam comer-se, feitas de amidos de milho e de batata, iniciaram o negócio à volta dos descartáveis amigos do ambiente. Os dois já sabiam que objetos de plástico como cotonetes, tampas, garrafas e sacos são dos mais encontrados nas praias, num top ten liderado pelas “beatas” dos cigarros, segundo a Associação Portuguesa do Lixo Marinho. “O nosso objetivo é minimizar esta lista”, destaca Pedro. No catálogo de louça descartável ainda faltam os copos. “Do café muito quente aos granizados gelados vai uma grande diferença, com imensas texturas e temperaturas. É difícil encontrar um meio-termo que dê para todas as bebidas”, explica.
Sabendo que cada português bebe em média 1,7 cafés por dia e, pelo menos num deles, usa uma palheta de plástico para mexer, desperdiçam-se 384 toneladas de plástico por ano só neste utensílio. Como alternativa, no outono, a Soditud conta ter prontas as palhetas feitas de microalgas de água doce, consideradas um superalimento de alto valor nutritivo.
Algas marinhas são também a matéria-prima das “gotas” de água que podem comer-se, criadas pela Ooho Water, um dos vencedores do prémio Lexus Design 2014, e que a startup ribatejana quer trazer para Portugal. Feitas através de um processo de esferificação, que molda líquidos em esferas, estas “gotas” dispensam o uso da garrafa de água de plástico, são biodegradáveis em quatro a seis semanas, tal como um pedaço de fruta, e têm um prazo de validade de alguns dias.
E A EMBALAGEM... É FEITA DE QUÊ?
Ao plástico que envolve a louça de farelo de trigo, protegendo-a da humidade que pode deteriorá-la, Pedro Cadete chama-lhe “um mal menor”, mas na verdade cerca de dois terços dos resíduos plásticos vêm das embalagens – e apenas 5% do valor do material da embalagem plástica permanece na economia, sendo o restante perdido após um primeiro uso muito curto. A União Europeia pretende aumentar a reciclagem de plásticos e reutilizar ou reciclar todas as embalagens até 2030.A norte-americana Nohbo Drops já conseguiu ultrapassar esse “mal menor”, colocando as suas cápsulas de champô solúveis em água, de uso único, em embalagens feitas de plásticos vegetais biodegradáveis, derivados de cana-de-açúcar. Há três anos, os “tubarões” do programa de televisão Shark Tank ficaram deliciados com a cara de bebé de Benjamin Stern, na altura com 16 anos, fundador e CEO da empresa de produtos de banho sem garrafa, cuja apresentação envolvia lavar o cabelo da sua avó. Mark Cuban chegou mesmo a acordo, investindo 100 mil dólares em troca de 25% da empresa que quer eliminar o excesso de plástico engarrafado utilizado, normalmente, nos produtos de higiene pessoal. E se há cápsulas dissolventes com detergente para lavar a roupa, porque não haveria de haver com champô ou gel de banho?
Aos poucos, essas novidades nascidas lá fora começam a chegar a Portugal. Até há dois anos, Ana Milhazes Martins comprava tudo aquilo de que precisava para viver, sem plástico e com desperdício zero, em lojas no estrangeiro, mas agora já se desenrasca por cá. Membro da comunidade Lixo Zero, na mala tem sempre um kit com talheres de metal, guardanapo de pano e um copo retrátil livre de plástico, químicos e metais pesados, símbolo do movimento sobre consumo consciente, Menos 1 Lixo, que a sua fundadora, a brasileira Fê Cortez, lhe ofereceu. Com o aparecimento de novas lojas sustentáveis, a recuperação da venda a granel, incluindo detergentes e cosmética, e o surgimento de cada vez mais produtos feitos de bambu, algas, madeira e algodão orgânico, os sinais de que as mentalidades estão a mudar são positivos. “Não precisamos de inventar nada. Basicamente, é ver o modo de vida dos nossos avós e recuperar coisas que já existiam, como os guardanapos de pano, o saco do pão e a marmita de aço inoxidável”, aconselha.
TUDO A GRANEL
Em 2016, a Organii, chancela lusa de cosmética biológica, das irmãs Cátia e Rita Curica, abriu o seu laboratório, para depois nascer a marca própria, a Unii, já com dois óleos de corpo vendidos a granel, em frascos de vidro. “Mesmo vendendo outras marcas internacionais, tínhamos espaço para criar a nossa, diminuindo o desperdício ao máximo e apostando em matérias-primas portuguesas como o óleo essencial de eucalipto ou de pinho”, conta Cátia. Este ano, já venderam 50 litros de óleos corporais a granel, a uma média de 100 ml por cliente. O próximo passo serão os champôs sólidos, com base de azeite e alecrim.
De acordo com o Eurobarómetro, na Europa 74% das pessoas estão preocupadas com o impacto dos plásticos na sua saúde e 87% com o impacto no ambiente. “As pessoas têm uma consciência cada vez mais aguda, primeiro em relação ao desperdício que produzem,depois em relação ao plástico e, em particular, sobre os descartáveis e o impacto que têm no ecossistema”, analisa Eunice Maia, dona da Maria Granel, a primeira mercearia biológica a granel em Portugal, com um piso inteiro dedicado a acessórios livres de plástico.
À Maria Granel todos os acessórios chegam embalados em cartão e selados com fita adesiva de papel sem solventes, da gama ecológica da alemã Tesa. Numa lógica circular, de dar uma segunda vida aos materiais, na expedição dos produtos da loja online, Eunice Maia reutiliza as caixas de cartão da área alimentar. Parte do seu trabalho é procurar inovação sustentável e, em 2017, aderiu à iniciativa Plastic Free July, publicando nas redes sociais, a cada dia do mês de julho, uma dica inovadora. Uma delas recomendava o Bees Wrap, um substituto da película aderente, do papel de alumínio, das tampas de plástico e dos sacos para sanduíches feitos com cera de abelha. Entretanto, as food wraps da Rowen Stillwater já são feitas com cera de soja, evitando assim a morte dos polinizadores.
Outros artigos que vão ao encontro dos costumes dos nossos avós são o Vejibag, saco de algodão biológico para conservar os legumes no frigorífico, e as marmitas de aço inoxidável da Eco Brotbox, negócio de uma família indiana na Alemanha. Um dos objetos mais procurados é o piaçaba com cabo de madeira de faia não tratada, num suporte de barro, e escova de fibras de agave.
Na Mind The Trash, loja online que comercializa produtos orgânicos e ecológicos (lançada há um ano e meio por Catarina Matos), compram-se palhinhas de aço e escovas de dentes feitas de bambu. Vêm da China porque a luta para encontrar fornecedores nacionais parece interminável. É verdade, de bambu, vidro, inox ou trigo, não faltam substitutos das palhinhas de plástico, que tão amaldiçoadas têm sido nos últimos tempos.
Fonte: Sónia Calheiros - Visão